18/01/2024

Falta de registro público do contrato de alienação fiduciária não invalida, retira a eficácia ou sequer permite a rescisão do contrato

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) resolveu divergência e firmou o entendimento de que, embora o registro do contrato no registro de imóveis seja imprescindível à constituição da propriedade fiduciária de coisa imóvel, nos termos do artigo 23 da Lei 9.514/1997, sua ausência não invalida ou retira a eficácia dos termos pactuados pelos contratantes, inclusive da cláusula que autoriza a alienação extrajudicial do imóvel em caso de inadimplência.

 

Assim, não cabe ao devedor invocar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor como justificativa para rescisão do contrato, devolução dos valores pagos e retenção de parte dos valores para ressarcimento de despesas, como pretendiam os devedores fiduciários no caso concreto.

 

Na ação de rescisão do contrato originária, houve julgamento pela procedência do pedido inicial, declarando-se rescindido o contrato em razão da falta do registro respectivo. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

 

Após interposição de Recurso Especial (REsp) pelo credor fiduciário, a Quarta Turma do STJ deu provimento ao recurso, para declarar válido o contrato, mesmo diante da ausência de registro junto ao cartório de registro de imóveis, uma vez que “a ausência do registro […] não lhe retira a eficácia, ao menos entre os contratantes, servindo tal providência apenas para que a avença produza efeitos perante terceiros.”

 

Os devedores opuseram embargos de divergência apontando que a Terceira Turma, em caso semelhante, concluiu pela necessidade do registro para validade e eficácia do contrato de alienação fiduciária.

 

A solução da divergência se deu com base na assertiva de que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que não há qualquer condição à validade e eficácia do negócio jurídico, embora a propriedade de bem imóvel só se transfira mediante registro do título translativo no registro de imóveis e o registro seja imprescindível para constituição e transmissão de qualquer direito real sobre imóveis.

 

Exemplificou-se com o instituto da hipoteca e da promessa de compra e venda, afirmando-se que a falta do registro da hipoteca não transforma a avença em simples contrato de compra e venda sem pacto adjeto de hipoteca, assim como a falta de registro da promessa não retira características que lhe são inerentes, como a impossibilidade de retratação.

 

Assim, embora a falta de registro impeça a constituição da propriedade fiduciária de coisa imóvel, nos termos do artigo 23 da Lei n°. 9.514/97, “a sua ausência não retira a validade e eficácia dos termos livre e previamente ajustados entre os contratantes, inclusive da cláusula que autoriza a alienação extrajudicial do imóvel em caso de inadimplência”.

 

A validade e eficácia beneficia ambas as partes da relação contratual, pois o credor não pode dispor do bem livremente, exceto se houver inadimplência e a consolidação da propriedade, e o devedor tem assegurado o direito de não ter o imóvel objeto da garantia alienado fora das hipóteses legais, impedindo, por exemplo, que o credor requeira o distrato mesmo sem que ocorra inadimplemento.

 

De qualquer modo, o procedimento extrajudicial de alienação do imóvel somente pode ter início após o registro na respectiva matrícula imobiliária, que pode ser requerido a qualquer tempo ao Oficial do Registro de Imóveis.

 

O voto vencedor do julgamento ainda retrata que a norma específica prevê apenas três hipóteses de rescisão contratual: pagamento integral da dívida e seus encargos, com o consequente cancelamento do registro da propriedade fiduciária e a consolidação do domínio em nome do devedor fiduciante; quitação da dívida e das demais despesas após a constituição do devedor em mora e alienação do imóvel em leilão ou dação em pagamento dos direitos que recaem sobre ele; ou transmissão dos direitos do devedor fiduciante sobre o imóvel.

 

E ressalta que a perda do valor integral das prestações resultam das formas de liquidação do contrato, e não da existência de cláusula que preveja a perda total das prestações, afastando-se a aplicação do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor.

 

Para concluir que admitir a pretensão inicial, como fez o TJSP, segundo a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, significaria desvirtuar por completo o instituto da alienação fiduciária e colocar em desuso a norma específica, pois seria autorizada a rescisão do contrato com base em hipótese não prevista em lei, simplesmente em razão da aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

 

Assim, o voto vencedor, que negou provimento aos embargos de divergência, manteve o entendimento da Quarta Turma do STJ, no sentido de que é válido e eficaz o contrato de alienação fiduciária em garantia, impossibilitando que o devedor fiduciante promova a rescisão por meio diverso daquele contratualmente previsto, autorizando a alienação do bem em leilão, desde que precedido o respectivo registro.


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